quarta-feira, 31 de março de 2021

Por que a filosofia é tão importante no ensino da ciência?





Por que estudantes universitários comumente tratam a filosofia como uma forma totalmente distinta e inferior à ciência? Pela minha experiência, quatro razões se destacam.

Uma tem a ver com uma falta de consciência histórica. Estudantes universitários tendem a achar que divisões de departamento refletem divisões precisas do mundo, e assim não conseguem compreender que a filosofia e a ciência, assim como a suposta divisão entre elas, são criações humanas dinâmicas. Alguns dos assuntos que hoje são rotulados como “ciência” antes se localizavam em categorias diferentes. A física, a mais segura das ciências, era antes da competência da “filosofia natural”. E a música já esteve em casa na faculdade de matemática. O escopo da ciência já se estreitou e se expandiu, dependendo do tempo, lugar e contexto cultural em que era praticada.

Outra razão está ligada a resultados concretos. A ciência resolve problemas do mundo real. Ela nos fornece a tecnologia: coisas que podemos tocar, ver e usar. Ela nos dá vacinas, safras geneticamente modificadas e analgésicos. Para os estudantes, a filosofia não tem nada tangível para mostrar. Mas, ao contrário, as tangibilidades da filosofia são muitas: os experimentos de pensamento filosóficos de Albert Einstein tornaram possível [a missão espacial] Cassini. A lógica de Aristóteles é a base para a ciência da computação, que nos deu laptops e smartphones. E o trabalho dos filósofos na questão corpo-mente preparou o terreno para o surgimento da neuropsicologia e, portanto, a tecnologia de imagem do cérebro. A filosofia sempre esteve trabalhando em silêncio nos bastidores da ciência.

A terceira razão está relacionada a questões relacionadas à verdade, objetividade e viés. A ciência, os estudantes insistem, é puramente objetiva, e qualquer um que questiona essa visão tem de estar equivocado. Uma pessoa não será considerada objetiva se ela aborda sua pesquisa com um conjunto de presunções prévias. Em vez disso, será vista como “ideológica”. Mas todos nós somos “enviesados” e nossos vieses alimentam o trabalho criativo da ciência. Esta questão pode ser difícil de abordar, pois a ideia ingênua de objetividade está muito incrustada na imagem popular do que é a ciência. Para se aproximar dela, convido estudantes a olharem para algo que esteja perto sem quaisquer pressuposições. Eu então peço a eles que me contem o que veem. Eles param… e então reconhecem que não conseguem interpretar suas experiências sem se basear em ideias prévias. Uma vez que percebem isso, a ideia de que pode ser adequado fazer perguntas sobre a objetividade na ciência deixa de ser tão estranha.

A quarta fonte do desconforto dos estudantes advém da forma como encaram o ensino da ciência. Tem-se a impressão de que eles pensam na ciência principalmente como uma itemização de coisas que existem — “os fatos” — e que o ensino da ciência se trata de ensinar a eles o que são esses fatos. Eu não me curvo a estas expectativas. Mas, como filósofa, estou principalmente preocupada em como estes fatos são selecionados e interpretados, porque alguns são considerados mais significativos que outros, os modos como fatos vêm carregados por pressuposições, e assim por diante.

Estudantes geralmente respondem a estas questões dizendo de modo impaciente que fatos são fatos. Mas dizer que uma coisa é idêntica a si mesmo é não dizer nada interessante sobre ela. O que estudantes querem dizer com “fatos são fatos” é que, uma vez que temos “os fatos”, não há espaço para interpretação ou discordância.

 

Subrena E. Smith é professora-assistente de filosofia na Universidade de New Hampshire

 

Link para matéria: https://www.nexojornal.com.br/externo/2017/11/19/Por-que-a-filosofia-%C3%A9-t%C3%A3o-importante-no-ensino-da-ci%C3%AAncia?fbclid=IwAR2B1vidbgnfMXohz1mCY-fE4zJjCZI_YZL2VPF_0_oBpOV5MhG9WDOaL3s


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